Além de vontade, é preciso coragem

08/12/2011 13:49

   Mapa do Percurso da Corrida.

Na galeria de fotos estão disponíveis os mapas com o percurso do ciclismo.

    Participar do Cabra da Peste e Mulher Guerreira, prova promovida pela Federação de Triathlon do Ceará (FETRICE) nas distâncias de 3,8 km de natação - 180 km de ciclismo - 42,2 km de corrida, as mesmas enfrentadas nas provas do circuito Ironman, é uma experiência que deve ser levada em consideração por aqueles que querem testar seus limites físicos e psicológicos.

   O primeiro ponto é o número de participantes. Largaram 26 atletas. Esqueça aquela "motivação" de cruzar com vários atletas pedalando e correndo ou olhar para frente buscando o "pelotão" que se formou involuntariamente. Nesta prova é o atleta de cara para o vento. Dá até para se sentir profissional por um instante já que no início, ainda descansado, consegue-se pedalar sozinho em velocidades altas.

   Outra questão é a não presença de torcida. Para quem está acostumado com as provas do circuito Ironman onde boa parte do ciclismo e quase que a totalidade da corrida há pessoas assistindo, torcendo e incentivando, no Cabra da Peste só tem a garantia da ilustre e imponente companhia do Sol. Contato com o público somente na largada, na saída da natação e depois de 9, 10, 11, 12, ..., longas horas de prova na chegada. São 4, 5, 6, 7 horas de ciclismo apenas com o incentivo dos staffs nos pontos de hidratação e mais 3, 4, 5 horas com a presença do staff que acompanha o atleta durante a corrida e nos únicos dois pontos de hidratação nos 42,2 km de corrida.

 

A "maratona" pré e pós prova:

 

   Eu me inscrevi no Cabra da Peste no mês de Junho, logo que as inscrições abriram. Eu tinha certeza que queria fazer esta prova, pois já havia me preparado para participar no ano de 2010, mas não foi realizada para dar lugar ao PanAmericano de Longa Distância que aconteceu em Porto de Galinha/PE.

   Há três semanas da prova, fui informado que teria que viajar a trabalho para o Rio de Janeiro no dia 23/11 para uma reunião no dia 24/11. Detalhe, meu vôo para Fortaleza era dia 25/11 as 06:00 da manhã. Os vôos chegam em Aracaju muito tarde, sempre próximo ou após a meia-noite e isto significava poucas horas de sono dias antes da prova. Outra preocupação era a possibilidade do vôo atrasar ou até mesmo não chegar na madrugada de sexta-feira em Aracaju correndo o risco de perder o vôo do dia 25/11 para Fortaleza.

   Depois veio a informação que no dia 28/11 eu participaria de um congresso em Natal. Ai vem a questão: Será que eu estaria "inteiro" para viajar novamente a trabalho depois de enfrentar a prova ?

   Eu havia tido duas experiência em provas de Ironman e em ambas tive uma boa recuperação pós-prova. Dores musculares toleráveis no dia posterior a prova e no segundo dia pós-prova estava pronta para outra (eu acho).

   E assim, dia 23/11 a tarde fui para o Rio e no dia 24/11 no início da noite estava voltando para Aracaju, com direito a uma conexão em Brasília e escala em Salvador. Cheguei em casa a 1 da manhã, deitei e as 5 horas já estava de pé para voltar ao aeroporto. Sai de Aracaju em direção a Salvador. Lá, aguardei 4 horas para pegar o vôo para Fortaleza. Todos os vôos ocorreram no horário, o que ajudou a tornar menos cansativa a viagem.

   A volta no domingo 27/11, agora mais tranquilo e satisfeito, também foi corrida. A premiação começou as 11:30, o almoço foi servido as 12:30 e as 13:00 eu já estava no táxi em direção ao aeroporto. Cheguei em Salvador as 17:30 e de lá peguei o vôo para Aracaju. Pelo menos desta vez cheguei mais cedo e pude dormir melhor. No dia seguinte, 28/11, lá estava novamente no aeroporto para pegar o vôo para Natal. Três dias de congresso até que finalmente no dia 30/11 retornei em definitivo para casa após pegar 8 vôos, 3 conexões e 3 escalas em 7 dias.

 

A prova:

 

   Assim que cheguei no hotel em Fortaleza abri a mala para iniciar a montagem da bicicleta. Só deu tempo de montar a bicicleta (primeiro levei um baile do garfo dianteiro que fica com uma folga se não tiver o cuidado durante a montagem - acho que é problema típico da Cannondale - depois da válvula da roda traseira que insistia em vazar, mas consegui resolver os dois) e separar o material para a prova antes do congresso técnico que iniciou pontualmente as 18:00 horas.

   No congresso foram dadas informações que sem dúvida são motivos para o pouco número de atletas nesta prova:

 

1) As rodovias não são fechadas para a prova. Você compete em situações similares as de treino, com o diferencial que há policiamento nos retornos e ponto de hidratação no percurso.

2) Previsão do vento: de 27 a 36 km/h entre 06:00 da manhã e meio-dia.

3) Previsão do tempo: Sol sem nuvens durante todo o dia.

4) Temperatura: variando de 26ºC a 34ºC entre 06:00 da manhã e 16:00 com umidade acima de 85%.

   Todos lá já sabiam destas condições, e serviu apenas para confirmar o que enfrentaríamos no dia seguinte.

   A largada seria as 06:00 da manhã no Cumbuco. De pé as 03:30 da matina para tomar o café da manhã (ou seria ceia ?) antes de pegar o ônibus disponibilizado pela federação aos atletas de fora. Chegamos no local da largada direto para deixar o material na área de transição.

   As 06:15 largamos para os 3,8 km de natação na Lagoa do Banana. Duas voltas em 55 minutos, meu melhor tempo nesta distância, e conseguindo manter o mesmo tempo nas duas parciais. Um detalhe deve ser destacado: como é bom nadar com poucas pessoas participando da prova. Nada daquela loucura de braço e perna para todo o lado normal na maioria das provas de triathlon.

   O ciclismo foi realizado em 3 voltas longas (46 km cada) e 1 volta curta (42 km). Saindo da transição até chegar na rodovia estruturante (CE-085), que liga Cumbuco a Fortaleza, eram aproximadamente 4 km. Ao entrar na estruturante tinhamos a primeira impressão do que seria pedalar por mais de 5 horas naquelas condições. Muitos veículos, contra o vento e sozinho. Do início da estruturante até a primeira rotatória era o trecho mais difícil. Aproximadamente 15 km pedalando pelo acostamento e com trechos contendo subidas que somada ao vento tornavam-as pesadas. A sensação de alguma coisa errada com a bicicleta pairava no ar já que as condições não permitiam grande evolução constatada em uma descida em curva, com o vento literalmente batendo de frente, que sem pedalar não passava dos 30 km/h. Onde já se viu pedalar em uma descida para passar de 30 km/h ???

   Da primeira rotatória até a segunda rotatória que dá acesso a rodovia CE-090 era pouco menos de 1 km de subida. Desta rotatória pedalamos mais 2 km pela CE-090, duplicada com asfalto bom, até o retorno onde também ficava o ponto de hidratação do ciclismo. Feito o retorno era a hora de aproveitar para recuperar o tempo perdido devido as subidas e o vento. Os 2 km de volta na CE-090 eram com uma subida leve, mas com vento favorável e asfalto bom já dava para imprimir um bom ritmo. Entrando na estruturante em direção ao Cumbuco era possível manter médias próximas dos 40 km/h aproveitando o vento a favor.

   Após as duas primeiras voltas (92 km de prova) o cansaço e o calor já começavam a fazer diferença. O vento também havia mudado de direção e além de enfrentá-lo no trecho de ida, na volta começou a soprar lateral. Isto somado ao cansaço e ao calor fez com que o ritmo caísse já que não havia mais aquela compensação favorável das duas primeiras voltas. Na terceira volta pedalei na ida o tempo todo na coroa menor, coisa que raramente faço, achando que esta seria uma maneira de me poupar, mas isto me custou alguns minutos no tempo final e não me auxiliou na recuperação. Na quarta volta, percebendo que o uso da coroa menor não havia sido uma boa escolha, voltei a pedalar mesmo contra o vento na coroa maior.

   Completei o ciclismo com uma média de 32,3 km/h. Nada mal para as condições da prova e se comparado ao Ironman Brasil quando fiz 32,9 km/h de média.

   Uma hora da tarde, sol a pino, entreguei a bicicleta e procurei uma sombra para calçar o tênis. Nesta hora os staffs ofereciam isotônico, coca, água e eu entre um tênis e outro bebia o que viesse na frente. Ouvindo palavras de incentivo e trocando comentários sobre a prova aproveitei para me alimentar com frutas enquanto Gleidson, que foi o staff que me acompanhou durante a corrida, abastecia sua mochila com água gelada já que o próximo ponto de hidratação ficava a 20 km. Antes eu já havia deixado garrafas de isotônico e barras de cereal com o staff e carregava comigo mais algumas barras de cereal e carboidrato em gel.

   Sai para os 42,2 km de corrida e nos primeiros 4 km precisei parar duas vezes para literalmente tirar a pedra do sapato, ou melhor, do tênis. Não sei como ela estava por dentro da meia. Na primeira vez que parei apenas bati o tênis, mas a pedra continuou lá. Então tive que parar tirar a meia...

   Os primeiros 20 km foram os mais difíceis. Muito calor, a sorte é que o vento era contra e ajudava a amenizar, e algumas paradas para se hidratar. Após o quilometro 10 resolvi parar em umas das poucas sombras que encontrei pelo caminho para comer um pacote de granola que a organização entregou junto com o kit. Essa granola foi providencial pois nesta hora a fome bateu.

   O tempo todo jogando água na cabeça, ombros e braços, mas controlando para que o estoque durasse os 20 km até o ponto de hidratação. Gleidson também ajudou quando me aconselhou a jogar água nas pernas. Ótima sugestão para amenizar o calor e evitar o aumento da temperatura do corpo.

   Desde o inicio mantive um ritmo leve, mas constante, já que estava com receio de forçar e passar mal. Fui ultrapassado por volta do km 16 e em poucos minutos já não avistei mais quem me ultrapassou.

   Finalmente com umas 2 horas e 10 minutos cheguei ao ponto de hidratação. Lá aproveitamos para abastecer a mochila do Gleidson com mais água, isotônico e olhando para a caixa cheia de gelo tive uma idéia que me ajudou muito. Coloquei pedras de gelo dentro da bermuda e da blusa. A sensação de calor insuportável diminui a ajudou a relaxar a musculatura. Foram mais 10 km até o próximo ponto de hidratação que localizava-se no praça de pedágio antes da ponte sobre o rio Ceará. Próximo das 10 horas de prova cheguei no segundo ponto de hidratação. Com o clima bem mais ameno e protegido pelas sombras das casas, já que nesta altura já estávamos entrando em Fortaleza, aproveitei para tomar coca-cola e comer algumas frutas. Novamente abastecemos a mochila do Gleidson e repeti a estratégia do gelo, mas desta vez somente nas pernas. Antes de continuar percebi que teria a possibilidade de terminar a prova em menos de 11 horas.

   Saindo do pedágio logo a frente está a ponte sobre o rio Ceará. Parece o Everest...

   Depois de passar por este último obstáculo, segui em frente agora em busca de terminar antes das onze horas. Mais a frente avistei o atleta que havia me passado lá no km 16 e achei que conseguiria alcançá-lo, mas ao perceber que eu estava me aproximando ele imprimiu um ritmo mais forte. Eu, que não queria perder o que havia conquistado até ali, ignorei a possibilidade de alcançá-lo e continuei fazendo minha prova.

   Desde o ponto de hidratação do pedágio eu perguntava aos staffs que encontrava no percurso quantos quilometros faltavam e nenhum sabia informar. Saindo da pista de asfalto entramos em uma rua de paralelepipido que segundo o staff faltavam 4 km. E eu achando que já estava chegando. Comecei a forçar mantendo o objetivo de terminar a prova em menos de 11 horas. A musculatura sentiu e caimbras começaram a incomodar. Eu havia visto Alexander Craig nos últimos quilometros do mundial de Ironman no Hawaii sentindo caimbras e parando de repente e não sabia como ele ainda conseguia continuar. Eu passei por isso e entendi. A vontade de concluir a prova aliada a uma preparação eficaz é maior que qualquer coisa. Eu corria e do nada tinha que parar para controlar as caimbras. Quando chegamos no calçadão da praia de Iracema, já próximo a chegada, percebendo que terminaria em menos de 11 horas, reduzi o ritmo para curtir o momento. Fiquei satisfeitíssimo com meu desempenho ao cruzar a linha de chegada em 5º lugar geral com 10 horas 58 minutos e 40 segundos.

   Agradeço a Deus por eu ter condições de me dedicar aos treinos e de participar destes desafios.

   Ao apoio que tenho em casa que permite que eu disponibilize boa parte do meu tempo dedicando a minha preparação.

   A Fetriece que possui uma organização excelente e uma preocupação com os atletas proporcionando condições para que todos possam realizar uma boa prova, além do exemplo que dá para todo o país mantendo a escolinha e o núcleo de alto rendimento para crianças e adolescentes.

   Ao Gleidson que foi de grande importância no apoio durante a corrida.

   E a todos que torceram e acompanharam mais esta etapa vencida rumo ao Ultraman.